domingo, 28 de abril de 2013

Do teatro

Adoro teatro, adoro mesmo. Quando era pequena fazia montes de teatros na casa da AR, com direito a roupas improvisadas com lençóis e à avó da AR na plateia a aplaudir. Fazia-os também em casa para a minha avó e para a minha tia. Imitava as vizinhas, as colegas da escola, as amigas da minha mãe, as pessoas que iam à televisão, imitava tudo e todos. Apanhava-lhes os tiques e depois era ver a minha tia e a minha avó a gargalhar até lhes doer a barriga, ou até me faltar o folgo e a imaginação para continuar.
Com a idade, passei a ir ao teatro, ao teatro de verdade, àquele com peças encenadas, com atores de carne e osso, com palco e com cortina vermelha. Lembro-me de ir com a minha mãe, sempre, e quase sempre com uma amiga dela, a B.
Ir ao teatro era um ritual, ver o cartaz, falar à B se quereria ir, passar na bilheteira um dia antes a comprar os bilhetes, escolher o lugar, escolher a roupa, um vestido bonito ou uma camisa de seda, os sapatos de salto mas não muito alto, a mala  pequena onde só coubesse o bilhete, o telemóvel,  algum dinheiro e o BI, e por fim vestir, maquilhar e sair de casa 30 minutos antes do inicio da peça. Percorrer a rua de casa até ao teatro a pé, encontrar a B a meio caminho e, 10 minutos antes da peça começar lá estávamos nos sentadas, telemóvel no silêncio, prontas para o espectáculo. Durante o espectáculo não se falava, não saiamos para chichis nem adormecíamos, por mais aborrecida que pudesse ser a peça. No fim, aplaudíamos os artistas, quase sempre de pé, saímos e íamos tomar um copo.
Sexta fui ao teatro, à Malaposta ver Tudo a Nu que começava às 21h30. Fui sozinha. Estava chateada com a vida e como queria muito ver a peça decidi ir curar a neura para o teatro.
Telefonei durante a tarde a reservar bilhete, "Ah, estamos cheios!", "Mas é só uma pessoa...", "Só uma?! Então arranjo-lhe aqui um lugarzinho!".
Acabei de limpar a casa, arranjei-me e sai a tempo de conseguir estar na bilheteira meia hora antes do espectáculo começar. Comprei os bilhetes, fui à cafetaria tomar um café e comer um pastel de nata, troquei umas mensagens com uma amiga que ia de viagem, fui à casa de banho e às 21h25 estava dentro do teatro sentada pronta para o espectáculo começar.
21h30, 21h35, 21h40, 21h45 e as portas continuavam abertas as pessoas a entrar sala a dentro. Eu já a bufar por todo o lado (Sou atrasada por natureza no meu dia a dia, mas quando sei que da minha pontualidade dependem outras pessoas, pura e simplesmente chego a horas, ou até antes).
21h50, fecham-se as portas, pede-se que desliguem os telemóveis, sobe a cortina e começa a peça. Um minuto depois começa a tocar o telemóvel do senhor sentado à minha direita e o senhor a fazer-se de morto. A pessoa que estava atrás pede-lhe para o desligar, ele diz que não é o dele e olha para mim, eu tiro o meu da mala e mostro-lhe o ecrã preto, ele vira-se para o outro lado, a outra senhora mostra-lhe o telemóvel também com o ecrã preto, ele finge-se de morto, o telemóvel continuava a tocar no BOLSO DELE, mas naquela cabeça até poderia ser o telemóvel do Papa em Roma, no dele é que não. Às tantas mete a mão ao bolso e, txaran, a luz do ecrã a piscar. Desligou-o e continuo a olhar para o palco. Nem um "desculpe aí" nem nada.
Intervalo e o povo vai em debandada para a rua. Cafés, chichis, cigarros, e os 15 minutos de intervalo só não chegaram a meia hora muito por culpa do frio que se fazia sentir na rua.
A meio da segunda parte, uma senhora decide sair e depois voltou a entrar (provavelmente foi fazer o chichizinho que na quase meia hora antes não teve tempo de fazer).
A cortina caiu, aplaudiu-se de pé os atores e voltei para casa.
Senti falta do ir tomar um copo a seguir. Senti sobretudo falta que este pessoas que partilharam aquelas duas horas de espectáculo comigo não tivessem uma mãe como a minha, e não conseguissem perceber que há uma coisa chamada respeito pelos outros.

Sem comentários:

Enviar um comentário