segunda-feira, 17 de junho de 2013

Professores, os educadores além casa

Até ao 9º ano andei sempre em escolas privadas, escolas católicas, apenas de meninas e geridas por freiras. Só no 10º ano conhecia o maravilhoso mundo das escolas públicas e consequentemente, do funcionalismo público português.
Lembro-me do infantário, da irmã Angelina já velhinha que cuidava de nós no recreio, que nos ensinou a jogar à macaca e com quem fazíamos uma roda e brincávamos ao lencinho. Que nos ensinava a todas a dobrar os nossos lençóis e a arrumar as caminhas, porque as meninas haviam de ser arrumadas, limpas e prendadas, ainda que só tivéssemos 4 anos.
Com a entrada na primária, passei "a ser" da irmã Celina, alta, magra, de ar austero, mas a pessoa mais paciente do mundo. Passei também a rezar no pátio em frente à imagem de Nossa Senhora, antes da primeira aula e depois do almoço, a me levantar sempre que entrava na sala uma Professora, ou uma pessoa mais velha, a ajudar a irmã Francisca na sacristia e no lanche e a bordar, fazer ponto cruz e coser botões com a irmã Beatriz no sótão da escola.
Conheciam-me bem, sabiam onde morava, o que fazia a minha mãe, quem eram os meus avós, os meus tios, os meus primos, e até sabiam de quem era filha a minha vizinha que esporadicamente me ia buscar. Sabiam dos problemas entre os meus pais, sabiam que era a minha mãe que me criava, sabiam as vezes que o meu pai me ia buscar bebido e inventavam um pretexto para não o deixam me levar. Sabiam de cor e salteado que as minhas melhores amigas eram a J, a B e a P, e que tinha um odiozinho especial pela JF e pela T, e nem por isso, sempre que íamos à missa, colocava-me entre elas, porque "Temos de ser todos amiguinhos" e hoje tenho-as também como amigas, apesar de nunca mais ter sabido da T.
Sempre que iam a Fátima traziam-nos a todas um presentinho, ora uma imagem com uma oração, ora uma medalha, ora um terço.
Com a irmã Celina aprendi a escrever, a afiar os lápis para a letra sair mais bonita, a ler o meu nome, e a saber diferenciar o l do lh (o que na ilha é muito difícil, porque o l é prenunciado como lh). A irmã Celina ensinou-me o maravilhoso mundo da matemática, o divertimento em brincar com os números e com as operações numéricas, os rios de Portugal, as capitais do mundo, o nome das flores e dos aglomerados de animais.
Recordo com saudade esses tempos, éramos 22 crianças numa sala de aulas com alguns 50 metros quadrados, tínhamos as nossas secretárias, o quadro, as mesas redondas onde fazíamos os trabalhos de grupo, uma casa-de-banho, o bengaleiro para os casacos ou para as batas sujas, o quadro do comportamento, e um cantinho onde podíamos brincar e expor os nossos melhores trabalhos. A irmã Celina nunca teve filhos biológicos, era freira e dedicou a sua vida a Deus, mas acredito que tem centenas de filhas de várias idades e ainda hoje quando vê a minha mãe lhe pergunta "Como está a nossa (diminutivo do meu nome)?" Sim, porque eu era tanto da minha mãe como era dela, da irmã Angelina, da irmã Francisca, da irmã Beatriz e de todas as minhas Educadoras/Professoras.
Ao passar para a escola pública todo um novo mundo me foi dado a conhecer. Já não era preciso rezar antes das aulas nem levantar quando entrava um Professor. O respeito aluno/Professor perdera-se e consequentemente o respeito Professor/aluno também. Já não haviam recados nos cadernos, e alguns  Professores não sabiam o nosso nome e estavam-se pouco marimbando para a nossa vida. Cheguei a ter um Professor que dizia "Vocês já não estão na escolaridade obrigatória, estão aqui de livre vontade, por isso, não contem comigo para vos ajudar nem para vos chamar à atenção quando estiverem distraídos. Querem falar durante a aula, mexer no telemóvel ou até mesmo sair a meio, estão à vontade, eu farei o meu trabalho e vou para casa tão descansado como vim!", isto generalizando-nos a todos como uma cambada de imberbes de hormonas aos saltos. Mas estes eram uma minoria, a maioria deixa-me com grandes e boas memórias e com um enorme sentido de admiração e agradecimento por terem ajudado a fazer aquilo que eu sou hoje.
O Professor Mário André que dava aulas de Português atrás de uma guitarra.
A Professora Daniela que nos ensinou poesia pela mão de Florbela Espanca e pela voz de Nuno Guerreiro.
As Professoras Ligia, Daniela, Felicidade e Conceição que nos incutiram a importância e o gosto pelo voluntariado, que fizeram pressão junto da direcção da escola para mudarmos de turma porque na nossa turma havia um grupo que queria ter boas notas para ir para a universidade, ou para acabar o secundário o mais depressa possível e outro grupo que pura e simplesmente nos queria arruinar a vida.
O  Professor de Geografia que sempre que nos apanhava distraídos nos obrigava a repetir o que ele tinha dito passando a vergonha das vergonhas perante a sala, que não nos deixava entrar 5 minutos depois do toque, tendo-me obrigado a passar uma aula pré teste na janela porque tinha chegado atrasada e ele não abriu a porta.
O Professor de Francês que era zarolho e que gozava da sua condição dizendo que assim podia controlar a sala toda durante os testes.
A Madame, Professora de Francês, que era a confidente dos nossos amores e desamores.
A Professora Isabel de Filosofia, que me conhecia tão bem que começava as aulas a me perguntar o que tinha sido discutido nas Noites Marcianas da noite seguinte e dava a sua aula a partir dali. Que escreveu a mais bonita mensagem que a minha capa das fita teve oportunidade de receber.
A Professora São, que fazia umas jantaradas na sua casa no final do ano lectivo e convidava alunos e Professores.
A Professora de História, disciplina que eu odiava, que andava com os sapatos rotos porque o seu dinheiro era para ajudar os outros.
Porque todos os meus Professores ajudaram a criar aquilo que eu sou hoje, porque todos sem excepção não merecem a forma como o ministério os quer tratar, porque acredito que mesmo os que não fizeram greve tiveram vontade de a fazer, o meu coração está com eles.
E não senhor Crato, os meus Professores não merecem nada disto que você lhes quer fazer!

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