terça-feira, 28 de maio de 2013

E quando os nossos sonhos nos põem em risco e afligem os que estão à nossa volta?

Tive uma ótima proposta de emprego, trabalhar durante três meses num dos países mais bonitos do mundo, na minha área, a fazer o que mais gosto. O ordenado era ótimo e tinha direito a casa e a transporte. No fundo era o realizar de um sonho!
Não aceitei... e não aceitei porque percebi que este meu sonho deixaria o senhor meu moço e a minha família aflitos e angustiados durante o tempo que lá estivesse. O país para onde ia na verdade já não é reconhecido como país, é um narco-estado onde impera um regime militar e onde volta e meia há um golpe de estado. 
Quando me candidatei à vaga estava perfeitamente ciente de todas as condicionantes do país e já tinha arranjado solução para tudo. Só precisava de viver numa casa relativamente perto da embaixada de Portugal, e descobrir qual o caminho mais rápido para chegar até lá. Se houvesse um golpe de estado era agarrar em mim e no meu telemóvel, correr para a embaixada e telefonar para o tio Portas para me ir buscar, a mim e aos restantes portugueses. Não levaria muita coisa, e sobretudo, não levaria nada de valor. Tomava as vacinas todas possíveis e imaginárias, ia carregada de medicamentos sos e se adoecesse voltaria para Portugal. Não andaria sozinha pelas ruas, e mesmo em casa e no escritório faria de tudo para estar acompanhada. Não beberia água da torneira, e não comeria legumes frescos não cozinhados, e pronto, para mim estavam os problemas todos resolvidos. Mas não estavam... 
Ontem, quando disse ao senhor meu moço que tinham-me chamado e que devia partir no inicio de Junho, o senhor meu moço pintou o drama, o horror, a tragédia... disse que não ficava descansado, que iam ser três meses de sobressalto, que aquilo não é um país, é um narco-estado, que eu podia apanhar alguma doença manhosa e morrer na hora, que não há voos diários, que muitas vezes nem voos semanais há, blá blá blá... Enfim... no meio do drama percebi que a preocupação dele era mesmo sincera, que ficaria mesmo em sobressalto enquanto eu lá estivesse e sinceramente, nem ele nem a minha família merecem dores de cabeça por minha causa. 
Desisti do cargo. Ontem a noite enviei um email às responsáveis a pedir desculpa e a explicar a situação. Espero muito sinceramente que tenham percebido e que não tenham ficado com uma má impressão minha. 
Enquanto escrevia o email pensava "Será que estou a tomar a melhor decisão? Deus queira que eu nunca me arrependa disto". Hoje quando acordei já ele estava no trabalho e eu tinha no meu e-mail um mail dele com isto:
O Amor, Meu Amor 
Nosso amor é impuro 
como impura é a luz e a água 
e tudo quanto nasce 
e vive além do tempo. 
Minhas pernas são água, 
as tuas são luz 
e dão a volta ao universo 
quando se enlaçam 
até se tornarem deserto e escuro. 
E eu sofro de te abraçar 
depois de te abraçar para não sofrer. 
E toco-te 
para deixares de ter corpo 
e o meu corpo nasce 
quando se extingue no teu. 
E respiro em ti 
para me sufocar 
e espreito em tua claridade 
para me cegar, 
meu Sol vertido em Lua, 
minha noite alvorecida. 
Tu me bebes 
e eu me converto na tua sede. 
Meus lábios mordem, 
meus dentes beijam, 
minha pele te veste 
e ficas ainda mais despida. 
Pudesse eu ser tu 
E em tua saudade ser a minha própria espera. 
Mas eu deito-me em teu leito 
Quando apenas queria dormir em ti. 
E sonho-te 
Quando ansiava ser um sonho teu. 
E levito, voo de semente, 
para em mim mesmo te plantar 
menos que flor: simples perfume, 
lembrança de pétala sem chão onde tombar. 
Teus olhos inundando os meus 
e a minha vida, já sem leito, 
vai galgando margens 
até tudo ser mar. 
Esse mar que só há depois do mar. 
Mia Couto, in "idades cidades divindades"

E por hoje, acho que ainda não me arrependi! :D

2 comentários:

  1. Guiné-Bissau?
    Bem... há imensos países "perigosos" do ponto de vista europeu. É uma realidade com a qual quem lá vive se acostuma. Sempre que estive muito tempo em Israel ou na Jamaica, por cá também andavam todos em sobressalto. Mas foi, como já te disse, dos melhores locais onde já vivi. Voltaria já hoje, se pudesse.
    Desde que tenhas pesado todos os prós e contras antes de desistir, não hás-de arrepender-te. Por cá há-de aparecer um job mega fixe!
    E só não desistir!

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    1. Yap. Esse mesmo :)
      O ir era mais por ser um pais que sempre desejei conhecer.

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