quinta-feira, 23 de maio de 2013

Eu e os gatos

A minha relação com os gatos sempre foi de distância. Nunca gostei muito de gatos, tinha medo, achava que arranhavam e mordiam por tudo e por nada, que morriam facilmente debaixo de carros e que faziam muito barulho quando estavam com o cio.
Para mim um gato era um animal selvagem, um animal de rua, do mato, e não um animal doméstico.
Apesar de nunca ter tido gatos sempre vivi com eles. Ao lado da casa dos meus pais há uma fazenda e uma serie de terrenos e quintais com gatos comunitários. Gatos que não são de ninguém mas que são de todos. Gatos selvagens que se passeiam livremente e nos olham à distância, gatos a quem deixamos comida e água fresca e esperamos que no cio não façam muito barulho e não se reproduzam em demasia.
Lembro-me de ser pequena e da minha avó ter uma gata, era preta e chamava-se Princesa. Lembro-me dela sair dias a fio e chegar a casa prenha e do stress que era para arranjar quem quisesse ficar com os gatinhos. Lembro-me que nunca consegui fazer-lhe uma festa e que a gata andava maioritariamente em cima dos telhados e dos muros altos. Lembro-me que tinha uma função, caçar lagartixas e ratos, e, se por acaso os meus avós encontrassem algum destes bichos em casa, a Princesa era privada das sopas de leite e das espinhas de peixe até encontrar o bicho e deixa-lo defunto no meio do quintal. Nesse dia, a Princesa tinha direito a um repasto digno de rainha, cabeças e peles de peixe em vez das espinhas. A Princesa viveu com os meus avós durante muitos anos, um dia, já velha e meia tísica desapareceu e foi morrer longe para um terreno vizinho debaixo de uma videira.
Quando comecei a namorar o meu namorado viviam numa casa com muito terreno e muitos gatos. Gatos que iam-se reproduzindo e a quem a minha sogra alimentava com restos de comida e sopas de leite. Gatos que saiam dias a fio chegando a casa todos arranhados, mordidos e a quem o meu namorado cuidava com festas e paninhos de água fria. Os gatos na casa do meu namorado tinham nomes reveladores das suas personalidades, era a Maldita, porque chegava sempre prenha a casa, era o Lêndea, porque era o mais pequeno da sua ninhada, era a Branca, porque era toda branca, etc, etc.
Comecei a me interessar por gatos por causa do Lêndea. O Lêndea era um gato cão, era um gato que andava sempre com o cão, que tinha porte de cão, que saltitava como os cães, que miava um miar que mais parecia querer ladrar, que se sentava à porta qual cão de guarda e não deixava ninguém entrar. O Lêndea, era um cão que tinha nascido num corpo de gato.
Quando começamos a morar juntos o meu namorado sempre manifestou o seu desejo de ter um gato "um gatinho pequenino aqui no apartamento é que era", mas eu reticente acabava por lhe dar a volta "ah e tal, os dois cães podem fazer matilha e matar o gato", "ah e tal, com tanta alergia posso ser alérgica ao gato" e a coisa ia passando. Até um dia.
Até um dia algures em Junho de 2011 após uma noite de santos populares em que deixamos o carro ao pé da casa da M. e ela nos convidou para ir ver o seu mais recente bebe, o S. um gatinho lindo de morrer, pequenino, super peludo e fofinho.
Claro que a partir daquele dia o rapaz nunca mais se calou com o gato, e que o gato era lindo, e que era uma companhia para nos (os nossos cães tem custodia partilhada com a avó materna, o que implica que passem o seu tempo divididos entre o continente e a ilha), e que não dava trabalho, e que blá blá blá, e dois meses depois lá tínhamos em casa uma irmã do S.
Lembro-me perfeitamente como se fosse hoje o dia em que a fomos buscar. Os meus primos estavam a passar ferias na minha casa, era sábado, tínhamos ido almoçar a Palmela e na volta disse-lhes que tinha de passar na casa de uma amiga para lhe dar boleia para o Saldanha. A M. na altura vivia num bairro típico lisboeta, e enquanto estávamos à sua espera levamos com um vizinho cromo daqueles raros. Veio cumprimentar os meus primos e o meu namorado, vinha de pijama e pantufas e passou o tempo todo a dizer "A minha sobrinha vem amanha da disney! Ela está na disney! O senhor sabia que a minha sobrinha está na disney! É! Na disney!".
Seguimos para o Saldanha e disse aos meus primos para esperarem por mim no centro comercial que eu ia num instante à casa da mãe da M. dar um beijinho. Mentira pegada! A mãe da M. nem mora no Saldanha e eu ia era buscar a gata, que na atura ainda era gato e chamar-se-ia Mr. Dinksy (nome posto pelo dono a propósito de um qualquer gato de uma série que ele gosta).
Chegamos à casa, eu e a M. o dono, senhor meu namorado, ficara no carro que estava mal parado. Eu nunca tinha tido gatos, nunca tinha pegado num gato, tinha medo deles, e achei que o melhor que se conseguia arranjar para o trazer era um saco de papel da Primark.
Quando entramos, a dona da casa avisou-me que já só haviam uma gata fêmea e que era pegar ou largar porque ela já tinha outro casal interessado caso eu não quisesse. Pegamos, pois está claro. Ela era linda, e eu já estava perfeitamente convencida que nesse dia íamos chegar a casa com um gato, ou gata. Abri o saco para a senhora a pôr lá dentro, a senhora olhou para mim com os olhos atravessados e disse "É melhor leva-la ao colo!". Ai! Big problem! Eu tinha medo de gatos, nunca tinha pegado em nenhum, tinha medo que ao atravessar a estrada o gato se assustasse e fugisse. Então pedi à M., a madrinha, para a levar até ao carro onde o dono havia de tomar conta dela.
Fomos buscar os meus primos, deixamos a M. em casa, e rumamos a nossa casa com aquele pequeno ser de 900gr. No caminho decidimos o nome. Chamar-se-ia Bianca Castafiore, o nome da cantora de opera das aventuras do Timtim.
As aventuras do Timtim sempre foram os meus desenhos animados preferidos, queria ser como ele, ser jornalistas e correr o mundo à procura de noticias com um cão atrás.
Na altura tinha um cão chamado Timtim, um caniche que viveu connosco quase até aos 17 anos e de quem ainda hoje me lembro todos os dias. Parecia-me bem, continuar na linha dos nomes e chama-la Bianca Castafiore. O namorado aceitou, com um condição, chama-la sempre de Bianca e fingir que o Castafiore não existia.
Ao chegar a casa subi ao andar com a gata e eles continuaram rumo ao supermercado para comprar ração, caixa, areia e todos os apetrechos necessários para a nova inquilina.
Ela vinha assustada e assim que a pus no chão correu a esconder-se entre dossiers debaixo de uma estante. Quando os meus primos e o dono chegaram, lá conseguiram convencer a bicha a sair do seu esconderijo. A primeira coisa que fez foi saltar do sofá para as cortinas da sala e rasga-las. A partir daquele dia percebi que a minha vida nunca mais seria a mesma.
A Bi foi crescendo e com o tempo fomos-nos adaptando uma à outra. Não foi fácil, ela era pequena e com uma vontade inesgotável de brincar, eu tinha medo e andava muito cansada. Ela subia às nossas pernas e mordia-nos os pés debaixo da mesa, aninhava-se connosco na cama e mamava na nossa roupa como se estivesse a mamar na sua mãe. Era pequena, frágil, muito mimada e pelos vistos havia sido desmamada muito cedo, ou então era a mais pequena nos irmãos e nunca deve ter tido muito contacto com a mãe. Viu nos donos a sua mãe biológica e adotou-nos como seus pais.
A Bi nunca foi uma gata fugidia, arrisca e má, sempre foi mimosa, carinhosa, louca por festas e por se aninhar em nós. Era a nossa sombra desde que chegávamos a casa até voltarmos a sair. Nos íamos para a cozinha e ela subia ao balcão para nos ver melhor. Íamos tomar banho e ela metia-se na banheira connosco pelo que, água e banhos sempre foi um regalo para ela. Íamos para o sofá e ela passeava por entre os nossos colos, íamos para o quarto e era vê-la aninhada entre os dois para adormecer.
Em Dezembro desse mesmo ano, fomos passar o natal e a passagem de ano à ilha e consequentemente, a Bi foi connosco. Era o seu primeiro contacto com os cães que estava na casa da minha mãe. Falamos com os veterinários (sim, os meus animais tem três veterinários, um na ilha dois no continente)  sobre como devíamos preparar o encontro, e seguimos à risca tudo o que nos foi dito.
Chegamos a casa e deixamos a caixa da gata no chão como se fosse uma mala normal, sem grandes festas nem alaridos, trouxemos um cão de cada vez para vir vê-la, primeiro e menos dominante, o Lucky, depois o mais difícil e dominante, o Timtim. Cheiraram, cada um à vez, pegamos na caixa e levamos a gata para o quarto, soltamo-la e deixamo-la estar sozinha até ao dia seguinte. No dia seguinte, já com a gata solta, voltamos a fazer o processo inicial, entrar no quarto primeiro com o cão mais submisso, depois tiramo-lo e deixamos entrar o outro, e por fim, os dois ao mesmo tempo.
A Bi com o Lucky foi amor à primeira vista, ele tem medo de gatos, ela era uma pulguinha eléctrica e depressa ela passou a domina-lo, a ser a sua menina. Com o Timtim foi mais difícil, o Tim estava no fim dos seus dias, estava velho, cansado, cego e só queria sopas e descanso. A Bi era uma pulga eléctrica e depressa percebeu que o Tim era cego e que era giro dar-lhe patadas no lombo ou no rabo porque ele passava-se e jogava dentadas para o ar sem nunca conseguir lhe acertar.
Em Janeiro voltamos para o continente com a Bi e em Abril, após a morte do Tim o Lucky veio definitivamente viver connosco. Desde então a Bi ganhou um companheiro e a nossa sombra transferiu-se para a sombra do Lucky. Onde está um está o outro, é vê-la esperar sentada à porta de casa que ele venha da rua e recebe-lo com um abraço ou com uma dentadinha de amor. É vê-la sentar-se à frente dele e dar-lhe patadinhas no focinho para irem os dois brincar, é vê-la esfregar-se nele e aninhar-se para dormirem juntos. Enfim, um amor que só visto.
 Baby Bi 

 Bi e Lucky 

  Bi e Lucky 

Bi no primeiro dia cá em casa vs Bi ontem à noite 



2 comentários:

  1. :)
    gostei de me ver incluída aqui!

    os animais são a melhor companhia! são dedicados, amorosos, até mesmo aqueles gatos mais ariscos e mais na deles.

    Já não me imagino sem o meu shia!

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  2. Então não haverias de estar?! Se não fosses tu não havia Bi para ninguem e provavelmente eu ainda hoje teria medo de gatos :))

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